Computação Gráfica e Filmes


Em 1895, na franca, os irmãos Lumiere criaram uma aparelho do tamanho de uma pasta que gravava, processava e projetava filmes. Não bastou muito para virar uma mania completa entre os franceses, e hoje, cem anos depois, já é uma forma clássica de entretenimento.

Os primeiros filmes eram rudimentares. Os próprios Lumieres filmaram coisas comuns, a chegada de um trem, trabalhadores saindo de uma fabrica, cenas de um picnic, tudo em preto e branco com qualidade sofrível e sem som. Porem, essa nova invenção deu asas à imaginação e criatividade dos cineastas que começavam a surgir no inicio do século. Ao contrario do teatro, um filme pode ser gravado, editado e alterado, fazendo com que cenas impossíveis de serem realizadas ao vivo fossem feitas na tela. Consagrados filmes como The Cabinet of Dr. Caligari, Potemkin, Metropolis, Nosferatu, não só são, naturalmente, considerados obras de arte como influenciaram muitos filmes posteriores. Aqui ainda vale lembrar de Charles Chaplin, que muito fez pela comedia com excelentes atuações. Porem, o cinema estava fadado a evoluir, e em 1929 conseguiu-se sincronizar o áudio com o filme, dando voz aos atores. Também naturalmente, essa nova característica encontrou resistência de várias pessoas, e alguns filmes ainda foram produzidos sem sons depois de 1930.

Hoje estamos no inicio da digitalização do cinema, e também para estas mudanças encontra-se resistência. Os efeitos especiais, hoje capazes de criar praticamente qualquer tipo de realidade, são acusados de falsificadores e perversores do cinema como arte, as pessoas apenas ainda não se deram conta de que os efeitos especiais e computação gráfica podem ser, e são, uma arte por si só, apenas sendo utilizadas em filmes como ferramentas auxiliares para levar o expectador a acreditar no que o filme mostra.

Na minha opinião, a arte, e também intuito, de um filme é contar uma historia. Alem disso, existe toda arte envolvida no como essa historia é contada, onde entrariam atores, fotografia, figurino, maquiagem, luzes, áudio e, hoje, efeitos especiais. Só porque determinado filme utiliza determinado tipo de arte para contar uma historia não significa que o filme em questão seja ruim. É o que prega o Dogme 95, grupo de diretores que, na primavera de 95, se juntaram em Copenhagen para fazer filmes baseados num manifesto que transcrevo algumas partes abaixo:

In 1960 enough was enough! The movie was dead and called for resurrection. The goal was correct but the means were not! The new wave proved to be a ripple that washed ashore and turned to muck. Slogans of individualism and freedom created works for a while, but no changes. The wave was up for grabs, like the directors themselves. The wave was never stronger than the men behind it. The anti-bourgeois cinema itself became bourgeois, because the foundations upon which its theories were based was the bourgeois perception of art. The auteur concept was bourgeois romanticism from the very start and thereby ... false!

(...)

To DOGME 95 the movie is not illusion! Today a technological storm is raging of which the result is the elevation of cosmetics to God. By using new technology anyone at any time can wash the last grains of truth away in the deadly embrace of sensation. The illusions are everything the movie can hide behind.
(1)

É uma atitude nobre criticar a maioria e a massa, mas acredito que os erros para onde as criticas são dirigidas estão um pouco equivocados. Só tive a oportunidade de ver o filme "Os Idiotas" feito por um dos diretores e gostei bastante, o enredo é fantástico, muito bem feito e envolvente, com excelentes criticas e doses de humor. Porem, a produção é patética. É interessante do ponto de vista estético, do qual tanto tentam fugir, ter a arte do "como contar a historia" cru dessa forma, mas o que foi feito chega a ser precário demais, chegando ate a tirar o valor da própria historia e do filme como um todo.

Já o filme A Bruxa de Blair, que segue basicamente o conceito "cru" pregado pelo Dogme 95, consegue ter uma ótima produção (dentro dos "conceitos crus") com um enredo levemente interessante. Alias, esse filme em particular tem um diferencial em relação a todos filmes produzidos ate hoje que é um simples site na internet. O filme não é constituído apenas pela película, e sim também pelo conteúdo na web, fazendo-o ate ficar sem graça se você não visitar o site e não digerir alguma coisa da enorme quantidade de informações e complementos do filme que lá estão.

Entretanto, o contrario também acontece. Existem filmes com excelentes enredos e péssima produção, como os do Dogme 95, mas também existem filmes com péssimos enredos e ótima produção, que faz você pensar algumas vezes se o filme não foi produzido com o intuito de mostrar efeitos, e não de contar uma historia. Um excelente exemplo disso é o caso da refilmagem do filme A Múmia. A versão original da década de 30 é excelente, a historia faz o expectador ficar na duvida entre "torcer" para a múmia ou para os mortais, alem da produção, para época, ser muito bem feita. Já a nova versão lançada este ano destruiu totalmente a historia, fazendo uma versão totalmente clichê com um personagem sendo o bandido malvado e outro o mocinho que fica com a mocinha no final. Porem, a produção e efeitos do filme são fantásticos. As cenas com a múmia são ótimas, e a criação de tal personagem foi um grande passo para a evolução da arte digital, como fala o artigo de Bárbara Robertson na revista Computer Graphics World:

Who would have thought that the latest branch of the digital human's evolutionary family tree would feature a movie star who is perforated, desiccated, rotten, and really quite dead-looking? But, in fact, that's what Industrial Light & Magic created for Universal Picture's The Mummy.

(...)

Designed and brought to life at ILM, the mummy created several challenges for the visual-effects team - from the way he looks to the way he moves. In his most mummified stage, he looks like a skeleton with pieces of wrapping stuck to his bones and some soft body parts inside the skeleton. In Stage Two of Imhotep's (nome da mumia) regeneration, the internal organs become more defined, more "moist and subtle", as John Anderson, principal CG engineer puts it; pieces of flesh and skin dangle from his bones, and he has grown tendons and sinews. In later stages, his mummified parts become digital prosthetics that fit onto the real actor.
(2)



A Múmia, de costas ainda nos primeiros estágios


Existem diversos outros filmes que detém um foco maior na produção possuindo um enredo fraco (e não apenas com efeitos especiais). Especificamente sobre computação gráfica, há algum tempo era facilmente notável o que era efeito especial e o que era cenário ou outro tipo de produção. Mas hoje esses efeitos ficam cada vez mais transparentes para o expectador, fazendo a historia e o universo onde ela se passa parecer real. Como fala o texto abaixo:

Although there are occasions of inconsistencies, TITANIC's visual effects are stunning. There are shots of jaw-dropping beauty, others where audiences stare in fascination, and others where they will think that there is no trickery involved. That, of course, is the true measure of success for any visual effects film that attempts to recreate reality. (3)



Titanic, no lançamento do barco ao mar


E é exatamente para isso que a computação gráfica serve: criar realidades impossíveis de serem criadas de outra forma. Como foi falado antes, o ser humano possui uma imaginação fértil. Sonhamos com outros mundos, imaginamos historias fantásticas em outros lugares e outros universos, bizarros, reais, futuristas ou do passado. Essas historias são impossíveis de serem contadas parecendo visualmente reais sem o apoio da computação gráfica. O filme Metropolis se passa no futuro, mesmo tendo um ótimo enredo, a sua produção é péssima devido a tecnologia existente na época. Podemos deixar sermos levados para determinado universo fantástico, mas a produção precária faz nos darmos conta de que aquilo é apenas uma "tentativa" de mostrar tal universo. Já num filme como Titanic, a boa produção faz com que não percebamos o que é realidade e o que não é. Sabemos que o barco não é real e não foi reconstruído inteiramente, mas ao vermos o filme somos levados a acreditar que sim. A mesma coisa acontece em inúmeros outros filmes, como The Matrix, cujos efeitos, na maioria, apenas distorcem a realidade atual, mas também faz o expectador acreditar na verossimilidade da historia.

A computação gráfica, ainda, não só esta tornando reais universos fantásticos como esta tirando os monstros das sombras. Com os efeitos especiais tradicionais do passado, um monstro nunca era inteiramente verossímil, e para isso acontecer ele precisava estar escondido por sombras, aparecendo realmente em poucas cenas. Hoje eles aparecem por inteiro e em grande quantidade de cenas, como no filme A Múmia e em Aliens a Ressurreição.

Ainda, George Lucas que, no inicio da década de 80, puxou enormemente o mundo dos efeitos especiais, fez isso denovo com Episode 1, como fala Bárbara Robertson para Computer Graphics World:

Ninety-five percent of this movie is digital. Actors mingle with digital-characters, puppets, and people wearing "rubber heads;" and they all move through landscapes and cities on three planets, Tatooine, Coruscant, and Naboo, which have been assembled from bits and pieces of live-action footage, miniature sets, digital models, and matte paintings. Machines are sometimes physical models, sometimes digital models, sometimes background paintings. Water, dust, fire, and smoke might be real elements in a digital environment, or digital elements in a miniature set. At ILM, the artists, technical directors (TDs), and animators used every computer graphics technique in the shop, and when those weren't enough, they invented new ones. "This is the digital back lot George [Lucas] talked about", says Barry Armour, a CG supervisor.

Mas o mais fascinante foi a criação de, literalmente, personagens digitais:

Jar Jar is one of many computer-generated characters in Episode 1. "Most of the nonhuman characters are CG," says Rob Coleman. "They're right in the fabric of the film. The camera doesn't even always focus on them; sometimes they're in the background." There are 66 CG characters and creatures in the film (plus 33 variations of them). Ten talk, and six have full lip sync, according to Coleman. The talking characters appear in 812 of the film's approximately 1900 shots. (4)




Star Wars Episode 1. Anakin salva Jar Jar Binks de mais confusões com Sebulba


Alem do atrapalhado Jar Jar Binks, Sebulba, Watto e outros desses personagens são como atores sendo controlados por animadores. Eles literalmente possuem vida, e estão no filme lado a lado atuando com atores de carne e osso. Ou seja, George Lucas não utilizou computação gráfica para criar apenas o seu universo fantástico de uma galáxia muito distante, ele agora também criou seres fantásticos que fazem parte dessa historia e desse universo.

Enfim, nada pode parar os avanços tecnológicos da humanidade. Cabe a nos apenas sabermos como utilizarmos da forma correta. Filmes tradicionais sem efeitos e com excelente historias existem e sempre vão existir. Para tratar dos dilemas da sociedade moderna a historia geralmente se situa nessa mesma sociedade moderna, como faz Woody Allen, e para isso não é preciso nada mais do que uma câmera e alguém para segura-la, como fazem os diretores do Dogme 95. Porem, historias fantásticas em universos incríveis podem ser, hoje, contadas veridicamente, e a computação gráfica já nos possibilita a criação de seres fantásticos para atuarem em filmes. Os limites para a expressão da imaginação humana estão cada vez mais se expandindo.


Citações e Bibliografia


1 - Manifesto do Dogme 95.
http://www.dogme95.dk/the_vow/index.htm
http://www.dogme95.dk

2 - Matéria escrita por Bárbara Robertson para a publicação de maio de 1999 da revista Computer Graphics World.
http://www.cgw.com

3 - Matéria sobre efeitos utilizados no filme Titanic.
http://www.vfxhq.com/1997/titanic.html

4 - Matéria escrita por Bárbara Robertson para a publicação de junho de 1999 da revista Computer Graphics World.
http://www.cgw.com