Breve Histórico Ao contrario do que se pensa, a idéia de uma "maquina de calcular" esteve presente nos sonhos de cientistas e matemáticos já a varias séculos. Um dos primeiros projetos do que se pode chamar de "computador" foi do inglês Charles Babbage que projetou o Difference Engine, em 1827, e o Analytical Engine, em 1834. Ambos eram maquinas mecânicas que realizavam operações matemáticas, mas nenhuma foi concluída devido a problemas de inadequação da tecnologia mecânica disponível na época. As primeiras tentativas de construção de computadores eletrônicos foi feita por John Atanasoff, por volta de 1930 na Universidade Estadual de Iowa. Porem, provavelmente o primeiro computador eletrônico de propósitos gerais foi o ENIAC (Eletronic Numerical Integrator and Calculator), construído entre 1943 e 1946 na Universidade da Pensilvânia por interesse do sistema militar americano, preocupados com a disputa com a Rússia pela hegemonia mundial. Fisicamente, era uma maquina enorme que pesava 30 toneladas, utilizava mais de um andar inteiro do prédio onde foi construído e possuía cerca de 18 mil válvulas. Após o ENIAC, o salto tecnológico do ser humano foi gigantesco. Hoje o que se cria de tecnologia em um ano é o equivalente a mais de 100 anos de idade media, e a tendência é acelerar cada vez mais. Porem, talvez o mais difícil e fascinante não seja bem a criação da tecnologia, e sim a aceitação e utilização dela pela sociedade, o que tem sido um processo lento, ainda mais em paises não plenamente desenvolvidos como o Brasil. Uma das grandes revoluções deste século que poderia ser citada é a idealização de um "Computador Pessoal" pela IBM no inicio dos anos 80, que deu origem ao PC (Personal Computer) e ao inicio do processo de inclusão dos computadores no cotidiano das pessoas. Outra conseqüência disso foi a criação de uma GUI (Graphical User Interface, ou interface gráfica) pela Apple e que foi usada nos computadores Macintosh, também voltados para o uso pessoal. Essa interface, posteriormente copiada para os PCs pela Microsoft, tinha a finalidade de facilitar o uso do computador, fazendo com que o usuário não precisasse ter todo o conhecimento técnico necessário para utilizar os PCs da época, que funcionavam a base de comandos escritos, enquanto o Macintosh já utilizava gráficos e símbolos. Assim, os computadores vem sendo "desmistificados" pela sociedade e se tornando cada vez mais o que realmente são, apenas uma ferramenta com infinitas capacidades, que podem facilitar desde o convívio entre os seres humanos ate a criação de novas ferramentas e novos tipos de expressões artísticas, aumentando cada vez mais os limites da liberdade humana. O que começou como uma calculadora para fins destrutivos de militares megalomaníacos hoje é utilizado como a ferramenta mais democrática que existe na terra, ligando qualquer pessoa em qualquer lugar físico do planeta num mesmo mundo digital. O que antes pesava 30 toneladas, hoje cabe na palma da mão de uma criança, dando novos meios para as pessoas se expressarem artisticamente. E é sobre um determinado segmento da chamada "arte digital" que esse texto visa tratar: computação gráfica em 3 dimensões. Computação Gráfica Uma imagem, como uma pintura, é também chamada de uma figura de 2 dimensões porque ela possui apenas altura e largura. Já um objeto de 3 dimensões, como uma escultura, alem de altura e largura, possui profundidade. Na computação gráfica em 3 dimensões o que se cria é basicamente isso, esculturas digitais que possuem forma, mas que não existem no mundo fisicamente. Para a criação disso é utilizado um computador com o devido software de criação 3d como Softimage, Maya, 3D Studio Max e outros. Devido a grande complexidade matemática necessária para representar um objeto com 3 dimensões utilizando apenas 0s e 1s (os únicos símbolos com que um computador trabalha), esse tipo de expressão artística só hoje vem se popularizando, tendo surgido a não mais que duas décadas, devido a falta de poder computacional dos computadores de antigamente e o altíssimo custo que era necessário para que isso pudesse ser atingido. A criação artística em computação gráfica em 3d dimensões consiste, basicamente, em 3 etapas distintas: modelagem, texturização e, caso necessário, animação. A modelagem consiste em criar o objeto 3d. Da mesma forma como um escultor usa as mãos para criar um vaso em argila, o artista usa o mouse para mover e acomodar os vértices dentro do computador, dando forma para o objeto. Como algumas vezes esse objeto pode ser demasiado complexo, tendo mais de milhares de vértices tornando a edição de um por um praticamente impossível, utiliza-se outras técnicas e ferramentas dentro do próprio software para se realizar esta tarefa. Um método de modelagem que tem se popularizado bastante é o chamado NURBS (Non-Uniform Rational B-Splines), que consiste na edição de linhas que o computador trata como curvas e que juntas formam uma superfície. Cada software de edição 3d possui determinadas ferramentas, muitas delas semelhantes e todas com mesmo principio. Existem ainda os chamados "plug-ins", pequenos pacotes que se adiciona no software de edição 3d e que proporcionam outros métodos de modelagem, um bom exemplo disso é o Metareyes, onde se edita "músculos" que juntos formam uma superfície de vértices. A texturização consiste em aplicar uma imagem 2d, uma figura, em cima da superfície 3d. Pegando um vaso de exemplo, é como, apos ter sua forma pronta, colocar cores e desenhos em cima da superfície. Isso, na computação gráfica, se faz aplicando uma figura criada em outro software em cima do modelo pronto. Essa figura é geralmente uma imagem criada num software de edição 2d como Photoshop ou Paint Shop Pro ou uma imagem digitalizada e trabalhada num destes softwares. Essa etapa é uma das partes cruciais da arte 3d porque ela que dará a aparência do objeto e determinara as luzes que ele refletira. Criar o modelo de uma mesa é simples, mas fazer ela parecer realmente uma mesa de madeira ou uma mesa de mármore já não é tão simples. É também nesta etapa que se aplica o bump mapping, uma técnica utilizada para dar a "impressão" de detalhe. É com bump que se faria uma mesa de madeira ter leves buracos de faca para dar-lhe a impressão de velha e já muito utilizada, já que esses buracos seriam bem trabalhosos de serem criados na própria superfície do modelo. É aqui ainda que se determina se a mesa refletira muita luz, tendo uma aparência mais lustrosa, ou se será mais opaca, alem de se poder determinar a transparência ou não de um objeto, fazendo-o parecer de vidro. Já a animação consiste em dar movimento a "cena" criada para a geração de um vídeo. Praticamente tudo numa cena pode ser animado ou alterado. É possível dar movimento a luzes, câmeras, fazer objetos voarem e estarem em qualquer posição, fazer uma câmera andar por um prédio que ainda não foi construído, fazer um barco do século XVI navegar em um rio ou fazer um grupo de Orcs caminharem em uma planície. Apenas a movimentação de objetos (ou luzes ou câmeras) sem a sua deformação é simples de ser realizada, onde geralmente se utiliza "keyframes" para marcar posições, e o software de edição 3d se encarrega de calcular o movimento entre uma keyframe e outra. Já a movimentação da vela do barco, dos passos do Orc ou da dança de uma bailarina são mais complexos de serem realizados, pois envolvem alteração na superfície do modelo, ou seja, a superfície da vela precisa balançar de determinada forma, as pernas e todo o corpo do Orc precisa sofrer mudanças em sua superfície para que a perna dobre, e a roupa da bailarina precisa balançar conforme sua dança. Para isto, geralmente são criados "ossos" os quais são associados a determinados grupos de vértices do modelo, e então são animados os ossos, marcando suas keyframes, e o computador então se encarrega de calcular a posição e o formato da superfície entre uma keyframe e outra. Reflexões Gerais Criar um modelo qualquer em computação gráfica, texturizá-lo e anima-lo não é difícil. Um claro exemplo da facilidade de se criar com o computador pode ser visto na exposição de paisagens digitais de Paulo Zarif, que ficarão expostas no Theatro São Pedro ate o dia 17 de outubro. Extremamente pobres, os quadros são apenas formas geométricas não editadas que já são embutidas nos softwares de edição 3d (os chamados primitivos) onde apenas possuem texturas e materiais metálicos bem feitos em expressões fracas e simples. Esse tipo de arte precária de formas simples ainda era interessante há alguns anos atrás quando existiam grandes limitações na computação gráfica, mas hoje esses limites já estão novamente na capacidade criativa do artista, como em qualquer outro tipo de expressão artística. O difícil muitas vezes na arte 3d é dar uma aparência "real" a determinada cena. Alguns artistas muitas vezes travam lutas para criar um quadro ou uma escultura perfeita, limpa, sem defeitos, lutam para criar uma "arte plasticamente perfeita", já em computação gráfica o plasticamente perfeito é fácil de fazer. Criar a cena de uma cozinha ou de um jardim ou chafariz terá, já na primeira finalização, uma aparência "perfeita", sem defeitos, e assim dará uma idéia de plasticidade falsa para o expectador. O trabalhoso é passar a idéia de uma cena real, colocar defeitos, pó, dar uma aparência envelhecida para a mesa de madeira, enfim, tirar a idéia de plasticidade falsa que a cena tem quando pronta. Da mesma forma, fazer uma animação com uma pessoa levantando um carro é fácil, como não existem leis dentro do mundo digital também não existe gravidade, porem o difícil é dar a idéia de que a pessoa levantando o carro esta fazendo força e que o carro realmente tem peso e esta sob influencia da gravidade, dando a impressão de realidade. Porem, cenas como essas, de uma cozinha ou chafariz, podem ser melhor reproduzidas ou expressadas com uma foto. De um ponto de vista pessoal, acho que o fascinante na arte 3d é dar a impressão de realidade para mundos fantásticos (como na figura da próxima pagina e da capa). Hoje vivemos em determinada realidade, século XX, carros, prédios, televisão. Entretanto, nossa mente, sonhos e imaginação nunca pararam, tanto de voltar para o passado como de ir para o futuro. Universos fantásticos fazem parte da nossa cultura, passado e futuro circulam pela nossa imaginação. J.R.R. Tolkien criou a Terra Media, povoou-a de hobbits, anões, elfos, magos, orcs, dragões, aranhas gigantes e escreveu a trilogia O Senhor dos Anéis. Esse mundo é impossível de criar fisicamente, mas digitalmente hoje isto esta sendo possível, e assim poderemos alimentar nossas mentes com imagens de dragões que parecem reais, ao invés de apenas estarmos limitados a ler sobre eles. Com computação gráfica o irreal pode se tornar real. Viagens e batalhas espaciais podem ser criadas com aparência real. Monstros e alienígenas que antes só existiam em nossas mentes podem existir digitalmente. E não só existir, como interagir conosco. Com os atuais avanços na área de entretenimento eletrônico os jogos possuem gráficos com cada vez mais detalhes, e aquele monstro que você imaginou que seria assustador pode estar tentando te matar num jogo de ação, ou você pode estar pilotando aquela nave espacial atirando com a arma de photons nos alienígenas invasores. Enfim, com a computação gráfica podemos tornar virtualmente reais a nossa imaginação e nossos sonhos. Mundos fantásticos podem existir digitalmente, e não apenas existir, mas também possuir vida e movimento. O computador não proporcionou para o ser humano apenas outra ferramenta artística, alem de estar revolucionando o modo como vivemos também criou este novo tipo fascinante de expressão artística. Glossário Cena - tudo que constitui a "área de trabalho digital", onde se encontram todos os objetos, paredes, texturas, etc. Primitivos - formas geométricas como cubo, esfera, torus, etc, que fazem parte de qualquer software de edição 3d e que algumas vezes são utilizados para criar outras formas mais complexas. Vértices - pontos da superfície de um objeto. Quanto mais vértices, mais detalhada será a superfície. Por exemplo, um cubo simples de 6 lados possui 8 vértices (um em cada canto do cubo). Bibliografia http://www.3dark.com http://www.3drender.com http://www.3dcafe.com http://www.3source.net http://www.cgw.com WEBER, Raul F. Notas de Aula de Introdução à Arquitetura de Computadores (INF 01-107). Instituto de Informática - UFRGS. 1998/1 WATT, Alan. 3D Computer Graphics. EUA: Addison-Wesley Pub Co. 1993 GLASSNER, Andrew S. 3D Computer Graphics: A User's Guide for Artists and Designers. EUA: The Lyons Press. 1994 MOLES, Abraham. Arte e Computador. São Paulo: Afrontamento. 1990 MACHADO, Arlindo. Maquina e Imaginário. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1996